Fernando Haddad falou mais para conter danos políticos do que para esclarecer o plano de contenção de despesas do governo –foi assim o pronunciamento do ministro da Fazenda em rede nacional. Difícil que fosse diferente. No entanto, o que parece haver de medida prática, concreta, a fim de beneficiar os mais pobres não é bem isso e vai criar problemas novos para o governo: a isenção de IR. Além do mais, é difícil ver como as medidas anunciadas de modo vago por Haddad vão somar R$ 30 bilhões em 2025 e outros R$ 40 bilhões em 2026.
Haddad anunciou a isenção de Imposto de Renda para quem tem salário ou rendimento equivalente de até R$ 5.000 por mês, confirmando a surpresa desta quarta-feira (27). Quem ganha até dois salários mínimos já é isento. A medida beneficia, na verdade, portanto, o que é a classe média brasileira (ao menos em termos de estatística de renda, não do conceito sociocultural, por assim dizer. Os 10% mais ricos do Brasil se dizem de classe média, pois comparam sua vida à de bilionários).
No que diz respeito à administração de despesas e ao crédito do governo, e ideia da isenção do IR pode ser uma bomba, como já se viu na reação dos donos do dinheiro grosso (disparada de dólar e juros). A isenção poderia vigorar logo. O problema legal e fiscal é achar a compensação para a perda de receitas, que pode ser de uns R$ 40 bilhões, isso se o governo fizer a coisa direito com o restante da tabela do IR, que vai precisar de reforma.
De onde sai o dinheiro? Em tese, da cobrança de mais imposto sobre aqueles que ganham mais de R$ 50 mil por mês, que podem se beneficiar de reduções de impostos tais como aquelas propiciadas pelo Simples (profissionais bem pagos, "PJs" ricos, profissionais liberais, empresas de consultoria etc.). A alíquota efetiva para essas pessoas seria de pelo menos 10%, não importam as contas feitas pelas regras atuais de IR.
Em qualquer caso, aumentar imposto sobre os mais ricos é justo, urgente e necessário (de preferência, com isenção menor para os remediados). No entanto, dar dinheiro, isentar, é fácil. Aumentar imposto é mais complicado. Conseguir arrecadar o que se pretende é difícil.
De passagem, se pode dizer também que a isenção é um estímulo ao consumo. As pessoas que vão pagar menos IR são propensas a consumir renda extra. Difícil que o benefício redunde em mais poupança. Demanda fraca não é exatamente o problema da economia agora.
O dano fiscal da isenção pode ser menor, pois, ao que parece, o governo pretende enviar a medida agora ao Congresso, mas para discuti-la em 2025. Entraria em vigor em 2026. Em tese, até lá dá para ajeitar perdas e ganhos de receita. Mas a incerteza vai ficar no ar. Isso tem custo: juros mais altos, dólar mais alto, tudo mais constante.
O ministro disse ainda que o valor dos benefícios tributários (isenções variadas de impostos) não vai subir caso o governo tenha déficit. Muito bem lidar com os benefícios tributários, um escândalo. Mas a medida é aquele caso de "só é bom se for ruim". O próprio governo promete déficit zero e superávit em breve.
Logo, por aí é que não deve vir contenção dos benefícios tributários —para tanto, seria bom haver um plano de redução paulatina, de desmame. Ou o governo planeja déficits?
O valor das emendas parlamentares será submetido a um limite de crescimento inferior ao do ritmo das despesas em geral (contidas pelo arcabouço fiscal a até 2,5% real ao ano). Melhor do que nada. Quanto abaixo? Ou é uma tentativa de tirar lasquinhas do dinheiro que foi apropriado pelo Congresso? De resto, talvez prevendo a mordidinha, os parlamentares já engordaram ainda mais o valor das emendas.
O valor do abono salarial, o "14°" salário, vai ser reduzido paulatinamente –atinge parte dos mais pobres. A aposentadoria dos militares, ainda em negociação, vai render pouco e a médio prazo, se mudança houver.
O fim do supersalários do serviço público federal é necessário, óbvio. Poderia render uns R$ 4 bilhões por ano. Poderia. Vai passar? É uma discussão de décadas. Há projetos no Congresso ainda criando mais penduricalhos.